No contexto de ensino remoto, surgiu para vários profissionais de educação uma preocupação justa com a avaliação. Se avaliar com justeza numa situação presencial de ensino é difícil, multiplique-se essa dificuldade várias vezes quando se considerar uma situação remota.
PREOCUPAÇÃO COM A COLA VIRTUAL
Contudo, para mim, uma coisa estava clara: a aprendizagem nunca esteve tanto sob a responsabilidade da(o) aprendiz como no ensino remoto. Como garantir, por exemplo, que a pessoa apenas se conectasse durante a aula e fosse fazer qualquer outra coisa? Não se pode, por exemplo, exigir que ninguém ligue a sua câmera, pois isso seria infração ao direito da imagem e, em algumas vezes, da própria intimidade de uma pessoa. A entrega de tarefas também poderia ser facilmente delegada a terceiros sem que professores pudessem contestar a autoria daquelas.
No que tange à avaliação, a situação se torna ainda mais complexa, uma vez que, mesmo para professores que consideram exames iguais a avaliações, aplicá-los sem o acompanhamento (leia-se: fiscalização) presencial se torna bastante difícil. Para ilustrar situações possíveis, gosto de usar caricaturas e a situação que narro adiante é uma caricatura.
ILUSTRAÇÃO: Suponha uma pessoa fazendo um exame de forma remota. A pessoa se submete a deixar sua câmera ligada e a permanecer diante dela, digamos, por duas horas seguidas. Quem aplica o exame fica, por sua vez, com os olhos na tela, por duas horas, acompanhando quem está fazendo o exame. Mas, por trás da câmera, há uma pessoa resolvendo as questões para que a pessoa simplesmente copie em seu formulário. A "pessoa por trás da câmera" pode ser substituída por um dispositivo eletrônico, ou mesmo uma lista de soluções parecidas com as que seriam cobradas no exame, e várias outras maneiras de se praticar a "cola virtual".
A única garantia, neste caso, seria o comprometimento da(o) aprendiz com sua aprendizagem.
VIDA ESCOLAR VERSUS VIDA COMUM/PROFISSIONAL
No entanto, a vida escolar, normalmente adora se afastar do cotidiano e das situações da vida profissional. Como costumamos fazer exames? A pessoa encarregada da aplicação lista os tópicos, apresenta exemplos de situações e problemas, recomenda exercícios de fixação na memória, etc. Quem deve se submeter aos exames, estuda aqueles tópicos, resolve problemas e exercícios, faz anotações e prepara toda a sua memória para funcionar bem no dia do exame.
Vamos apreciar duas características na situação acima: 1) seja qual for o problema que cair no exame, somos avisados antes sobre o que eles versarão; 2) não teremos acesso a informações, dados, lembretes que nos libere do esforço de memória para resolver os problemas propostos.
Pergunte-se o que acontece no seu cotidiano em relação a problemas. Eles costumam avisar que dia virão? Costumam dizer qual a sua natureza, antes de aparecem diante de você? Acho que para quem não é vidente o não é a resposta para as duas perguntas. Vamos mais adiante: no seu cotidiano, para resolver os problemas, você recorre exclusivamente a sua memória? Poucas pessoas fariam isso. Principalmente no atual cenário tecnológico.
Por outro lado, seria correto, do ponto de vista avaliativo, fazer um exame sem que a/o examinando soubesse o conteúdo previsto para o mesmo? Evidentemente, não. O exame, por definição, deve examinar alguma coisa, em geral a proficiência em determinado tópico. Dessa forma, o examinando deve sim ter conhecimento do tópico, mas não da forma como esse tópico será apresentado. Por quê? Porque se ele tem conhecimento do tópico e da forma, o exame passa a ser mero teste de memória. Se ele for bom em memorizar números de telefone, se sairá bem em qualquer exame dessa natureza. Entenda a forma aqui como modelos de questões, abordagens de problemas.
No mundo fora da escola, os problemas surgem de formas variadas, precisando serem abordados de formas igualmente variadas. Em geral, cada profissional detém uma gama de habilidades que o permite lidar com problemas específicos de sua área. Quando surge um problema que está fora do seu campo de atuação, esse profissional é capaz de reconhecer isso e pedir ajuda de outro profissional que atue no campo do problema em questão. Mesmo quando o problema é do seu campo de atuação, caso ele não o tenha enfrentado repetidas vezes e da mesma forma, terá de recorrer à pesquisa sobre os tópicos aos quais o problema lhe remete, para resolvê-lo.
Foi refletindo sobre isso que decidi aplicar exames nos quais a/o discente tinha a permissão para consultar em meios físicos (livros, por exemplo) ou digitais (incluindo uma busca pela internet). O exame poderia ser focado apenas na memória, proibindo a consulta por qualquer meio. Como dito no início, essa proibição seria no máximo simbólica, pois nenhuma garantia de cumprimento eu poderia ter. Mas, esse não é um motivo justo para liberar as consultas e sim um reconhecimento de impotência. Por isso, o motivo pelo qual decidi fazer exames com permissão de consulta foi o de incentivar a pesquisa sobre os tópicos que versavam o exame e estimular a habilidade de interpretar dados e informações de fontes diversas para responder corretamente às questões formuladas.
BENEFÍCIOS
Situações onde nos deparamos com um problema e somos levados à necessidade de pesquisar são mais factíveis do que memorizarmos uma sequência de passos para repetirmos em todas as situações. As atividades que requerem a mera repetição de procedimentos estão sendo executadas por máquinas ou estão a caminho de o ser.
A necessidade de busca por dados, informações ou mesmo técnicas para solucionar determinados problemas aparecerá com mais frequência na vida profissional do que a necessidade de uma excelente memória. Por isso, habituar discentes à pesquisa e à construção de seu conhecimento deve ser um dos objetivos nos processos de ensino-aprendizagem.
RISCOS/PERIGOS
Contudo, não podemos esquecer que essa liberação para consulta pode dar muito errado. Dará muito errado quando essa liberação se depara com uma/um discente imatura/o, que ainda não percebeu que ela/ele está competindo todos os dias com ela/ele mesmo(a) e que deve correr muito para se superar cada dia, se quiser ter algum progresso real na vida escolar. Falo real, não por outro motivo, mas para contrapor ao progresso formal. Como assim? Existe um progresso formal, que é aquele que diz que a pessoa passou de ano, passou na disciplina, colou grau. Mas esse progresso pode não ser igual ao progresso real, que corresponde ao nível de desenvolvimento das habilidades previstas para aquele curso e o nível de conhecimento adquirido.
E DAÍ? VOCÊ SÓ QUER O DIPLOMA
Obviamente, essa liberação de consulta para exames aplicados remotamente pode beneficiar quem aproveita a oportunidade para aprender. Ao passo que pode prejudicar quem ainda não entendeu que, diante da vastidão de informações disponíveis, o progresso formal não será o bastante.
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